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No dia 11 de abril, Portugal assistiu a uma bonita e merecida homenagem com a atribuição do nome de Emílio Rui Vilar ao auditório principal da Culturgest. Foi uma homenagem bonita por ter sido um reconhecimento consensual, atribuído em vida ao homenageado. Foi uma homenagem merecida por honrar um homem notável e o seu percurso, o qual cruza os mundos do serviço público, da gestão empresarial e da cultura, tendo estabelecido pontes e criado valor em todos estes domínios.

No serviço público destaca-se o papel de Rui Vilar como governante de pastas económicas em todos os governos do pós-25 de Abril, de 1974 a 1978, o seu cargo, a partir de 1979, de vice-governador do Banco de Portugal e a sua nomeação para diretor-geral da Comissão das Comunidades Europeias, cargo que ocupou entre 1986 e 1989.

A carreira empresarial foi feita maioritariamente na área da Banca, desde 1966 no Banco Português do Atlântico e no Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, tendo desempenhado funções de Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos entre 1989 e 1995, cargo ao qual aceitou regressar entre final de 2016 e 2021, sem qualquer remuneração, para apoiar o processo de recapitalização e reestruturação do maior banco português no rescaldo da crise financeira, processo esse finalizado com sucesso em 2021.

Como homem da cultura, teve funções de liderança nas principais instituições culturais e sociais em Portugal, incluindo a Presidência da Fundação Gulbenkian durante uma década, a vice-presidência da Fundação de Serralves, o comissariado geral da Europália e a criação e liderança da própria Culturgest, a entidade do universo da CGD para a promoção da cultura em Portugal. Nestes cargos, aplicou a sua visão de colocar a Cultura ao serviço da sociedade, como uma ferramenta essencial de reflexão e aprendizagem dos cidadãos.

Em todos estes domínios, Rui Vilar destacou-se pela competência na gestão, sensatez nas decisões e uma ética exemplar. Mais do que os cargos que ocupou, foi a forma como os ocupou que fez a diferença e justifica esta homenagem.

A carreira de Rui Vilar coloca em evidência temas importantes. Um deles é a pertinência de ter um grande banco nas mãos do Estado e a melhor forma de o gerir. Na minha opinião, o que verdadeiramente importa não é se uma empresa ou instituição (seja um banco, uma escola ou um hospital) é de donos públicos ou privados ou sociais, mas sim a qualidade e independência da sua gestão e a sua boa governação. Os acionistas de um banco não podem colocar a instituição numa posição de conflitos de interesses ou interferir diretamente na sua gestão. E devem nomear os gestores pela sua competência e não por favor político. Um dos períodos mais negros da CGD foi no início dos anos 2000 quando a sua administração fazia jogos e favores políticos, tornando o banco um instrumento de interesses obscuros de governantes. Assim como o período mais negro do BES, enquanto banco privado, foi quando a sua administração atuou sem qualquer controlo ou governação, usando o banco como instrumento de interesses obscuros de uma família e levando à sua falência. Os mesmo se pode dizer nesse período do Banco Montepio, cujo dono é uma entidade social mas que se viu enredado em vários processos de crédito ruinosos. Ao contrário, o Santander como banco privado teve uma gestão considerada exemplar durante o período da crise financeira, o BPI cujo dono é uma entidade social – A Fundação La Caixa – tem tido historicamente uma gestão reconhecidamente competente, e a própria Caixa Geral de Depósitos, no mandato de 2017-2021 sob a liderança executiva de Paulo Macedo e a supervisão de Emílio Rui Vilar, foi exemplo da boa gestão de empresas públicas, reconhecido pela Comissão Europeia.

A qualidade da gestão e governação é assim mais importante que a natureza do acionista principal. Uma empresa tem autonomia própria e responde perante a sociedade. Deve ser gerida por objetivos claros e transparentes e criar mecanismos de governação que evitem conflitos de interesse e previnam abusos de poder. A existência de canais de reporte formais e planos estratégico aprovados, a definição de objetivos claros, a separação de poderes entre a função executiva e a função de supervisão interna (CEO e Chair) e a não interferência dos acionistas em decisões de gestão operacionais são princípios fundamentais a seguir.

Claro que o Governo de um país pode ter uma instituição financeira como instrumento para intervenção e apoio à Economia. Mas esse não é o papel de um banco comercial público como a CGD, mas sim o papel de um banco de desenvolvimento. E esse banco existe e chama-se Banco Português de Fomento, o qual pode e deve ser um instrumento do Estado ao serviço da Economia e responder a pedidos políticos de promover alguns setores e financiar ou recuperar empresas estratégicas. Um banco comercial como a CGD, que compete no mercado com outros bancos, deve cumprir a sua função bancária com autonomia e zelo, ao serviço dos seus clientes e do saudável funcionamento do mercado bancário e financiamento da Economia. Pode receber orientações para o seu plano estratégico do representante do acionista Estado que o deve aprovar (orientações como ter um perfil de risco conservador ou procurar servir bem segmentos do mercado viáveis descurados pelos outros bancos) mas não deve sofrer interferências na sua gestão e em operações bancárias específicas.

Neste contexto, será que é sensata a recente decisão de centralizar os ministérios mais importantes do novo governo, incluindo a Presidência do Conselho de Ministros, no edifício sede do maior Banco Público? A resposta a esta pergunta é evidente e a ausência de debate sobre o tema é estranha. Claro que a CGD, tendo espaços disponíveis na sua sede, pode alugá-los a quem quiser. No entanto os símbolos importam e a proximidade física pode confundir as coisas, até na cabeça dos cidadãos pois a partir deste ano iremos ver o governo de Portugal a trabalhar no edifício que associamos à sede do banco público. A proximidade diária nos próximos anos entre as lideranças do Governo e da CGD podem criar uma relação demasiado próxima que poderá degenerar em promiscuidade se não houver cuidado acrescido.

A ida da sede do governo para a sede do maior banco público vai exigir de todos os intervenientes um cuidado acrescido na separação de águas, na promoção da transparência, em nomeações futuras por critérios de mérito e na implementação de sistemas de governação exemplares.

 

Filipe Santos, Dean da CATÓLICA-LISBON