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Na semana passada a Fundação Gulbenkian apresentou o resultado do trabalho de mais de 2  anos do Fórum Futuro com a publicação do relatório Foresight Portugal 2030 que procura perspetivar possíveis cenários de desenvolvimento para Portugal. Esta análise prospetiva tem em conta as principais condicionantes e oportunidades do contexto interno e externo.

Poucas vezes na sua história Portugal tem tido capacidade de reflectir sobre o seu futuro e o construir de forma consistente. Os debates políticos desta campanha eleitoral, apesar de numerosos e com boas audiências, são prova disso. Entre temas como o apoio à TAP, o SNS, os impostos, o aumento do salário mínimo e a pena de prisão prepétua, pouco tempo e espaço houve para os debates realmente importantes – como inverter o descrescimento e envelhecimento da nossa população? Como prevenir a desertificação de Portugal e escassez de água que lhe será subjacente? Como posicionar Portugal no contexto Europeu e global de forma competitiva? Como reduzir o enorme endividamento externo do País? Como prevenir o crescimento das doenças crónicas e reduzir a prevalência das doenças mentais? Nada disto teve tempo ou espaço para discussão. Mas estes são os temas que vão moldar o nosso futuro.

E temos em 2022 uma oportunidade histórica: com um governo estável apoiado por uma maioria absoluta, num ciclo que se prevê seja de recuperação económica e com uma abundância de fundos estruturais Europeus como nunca tivemos. O ciclo de 2022-2030 será a oportunidade de Portugal se afirmar como um país competitivo e próspero, com visão e ambição. Quiçá a última oportunidade, pois os problemas estruturais de Portugal terão um lastro tão pesado a partir de 2030 que nos poderão sufocar, limitando muito opções futuras.

Daí ser tão importante o exercício de pensar o Futuro agora. E como a Administração Pública deixou de ter um verdadeiro gabinete de Planeamento, o desafio foi feito em 2020 pelo primeiro-ministro a um homem – António Costa Silva, que preparou e entregou a sua reflexão em tempo recorde, num bom documento de Visão Estratégica que foi largamente desaproveitado na construção de um Plano de Recuperação e Resiliência com pouca clareza e ambição. No entanto, este mesmo desafio de pensar o Futuro já tinha sido abraçado desde 2019 pela Fundação Gulbenkian, num exercício amplo e recheado de estudos complementares aprofundados em várias temáticas e desenvolvido por uma equipa competente.

E o resultado, como diz o Prof. Miguel Poiares Maduro, coordenador científico do Fórum, é um mapa do futuro que permite orientar as escolhas da sociedade portuguesa e dos seus governantes. Um mapa que traça três cenários possíveis com diferentes graus de transformação:

- Cenário 1 de Continuidade: com o prolongamento das medidas e opções que têm vindo a ser seguidas nas diferentes áreas, permitindo a Portugal um crescimento moderado pós-pandemia e encontrar um lugar no Espaço Europeu em articulação com a Espanha e o motor Franco-Alemão. É um cenário que não pressupõe alteração no modelo económico-social, nem no paradigma de investimentos públicos que continuarão muito assentes nos Fundos Europeus e com as prioridade atualmente definidas, às quais que parece faltar consistência e modernidade.

- Cenário 2 de Diversificação Incremental: Com engenho, em busca de um novo espaço na Europa com reformas incrementais em vários domínios e um ajustamento de Portugal a uma realidade em mudança, assumindo uma matriz marítima e projeção euro-atlântica. Uma mais ambiciosa política industrial com investimentos que resolvam problemas estruturantes e aproveitem recursos hídricos e sistema de produção de energia assente nas renováveis onde Portugal é competitivo.

- Cenário 3 de Reposicionamento: Portugal inicia um processo de transfomação consistente assente no 4D – digitalização, diversidade, dinamismo e distinção - com um reposicionamento dinâmico em indústrias novas e no espaço extra-Europeu, assumindo disrupção com o passado em termos de modelo de organização económica e da administração pública. Aproveitamento integrado do nosso Território e das suas valências para a atração de talento e empresas mundiais e realização de um plano de investimentos públicos de cariz mais estratégico.

Cada um destes cenários tem diferentes dimensões e mobiliza diferentes escolhas setoriais que dependem não só dos governantes mas também da mobilização das forças vivas da sociedade. O caminho mais provável para Portugal é um conjunto de escolhas que assentem no cenário 1 com algumas opções consistentes com o cenário 2 e 3. O problema é que essa abordagem não será suficiente para criar uma nova dinâmica para Portugal que nos permita ultrapassar as condicionantes de sermos um país pequeno e periférico face à Europa continental, com um elevado endividamento externo e uma das populações mais envelhecidas do mundo. Estas condicionantes exigem uma agenda para a década com maior ambição.

Estamos num momento de charneira e em breve veremos sinais se estamos a fazer as escolhas corajosas.  O primeiro sinal será a composição do Governo - se a mesma será assente no aparelho partidário do PS ou se procurará mobilizar também os líderes mais competentes e experientes do País, mesmo que independentes. O segundo sinal será evitar a aprovação apressada do orçamento de 2022 só por já estar feito. Dado que o orçamento foi chumbado pelos próprios partidos que o condicionaram, esta é uma oportunidade de, em algumas áreas chave, começar a fazer opções diferentes. O terceiro sinal será usar o ano de 2022 para mobilizar a sociedade Portuguesa em torno de uma reflexão de cariz estratégico que possa nortear o desenho do Portugal 2030, o ciclo de fundos comunitários do período de 2021-2027 que permitirá realizar investimentos até 2030. Onde o PRR já está comprometido e a ter que ser executado rapidamente, o Portugal 2030 poderá tentar fazer a diferença em termos estruturais. O quarto sinal será o foco em políticas transversais orientadas para a resolução de problemas estruturais, como a decréscimo da população, a baixa competitividade das empresas ou o crescimento das doenças crónicas. A resposta a estes problemas não se encontra num só Ministério, seja ele da Saúde ou da Economia, mas num conjunto integrado e consistente de políticas públicas, com objetivos claros e orientação para o longo prazo.

Parabéns à Fundação Gulbenkian por nos trazer esta reflexão tão estruturada sobre os futuros possíveis para Portugal. O futuro não é predestinado e depende de nós. Este é um mapa que pode orientar escolhas estratégicas que não devem ser tomadas de forma individual, mas sim integradas e assentes numa visão consistente para Portugal.

 

Filipe Santos, Dean da CATÓLICA-LISBON