Há poucos dias, numa reunião com vários líderes, alguns afirmavam que não tinham implementado medidas de flexibilidade. Pelo contrário, deram orientações para que todas as equipas voltassem à empresa diariamente, por uma questão de igualdade: se o chão de fábrica não pode ter flexibilidade, ninguém a deve ter.

Será que esta posição é sustentável, apesar de ter, naturalmente, algum mérito? A realidade é muito mais complexa do que esta abordagem sugere (ou é para todos ou não é para ninguém) e exige alguma reflexão.

Para tentar responder a esta questão, é necessário termos em conta vários aspetos, dos quais destaco os seguintes:

1. Assegurar um sentimento de respeito e justiça

A liderança caminha hoje para soluções customizadas às diversas equipas, à natureza do seu trabalho e às expetativas individuais, sob pena de ser ultrapassada e começar a ter fortes problemas de atração e retenção dos melhores.

Mas então, como podemos dar sinais claros às nossas equipas que nos preocupamos com todos, quer estejam em funções de suporte, quer a garantir a operação nas unidades fabris ou operacionais?

O tema principal não é se tenho as mesmas políticas para todos, mas sim como assegurar um sentimento de que se é tratado com respeito. É esta a questão principal. Os colaboradores sabem que a natureza do trabalho é diferente de função para função, o que não entendem é a falta de atenção ao esforço e contributo de cada coletivo e a adequação às necessidades de cada unidade.

Quando centramos a questão na perceção do tratamento com respeito e justiça, começamos a ver alternativas que fazem sentido para nos adaptarmos a diferentes realidades. Por exemplo, criar reconhecimentos especiais que se apliquem ao chão de fábrica ou equipas operacionais e que reconheçam o esforço de manter a produção em tempos difíceis, como uma pandemia ou outro evento inesperado.

Tratando-se de um universo com salários tendencialmente mais contidos, esses reconhecimentos muitas vezes revestem o carácter monetário. Ainda assim, algumas empresas implementaram nos últimos anos outros mecanismos de “agradecimento”, como os cabazes entregues no final do dia ou do turno, ou a atribuição de um dia extra de descanso depois de um período mais intenso na produção.

Podemos também recorrer a prestadores externos ou trabalho temporário, não só por existirem picos de atividade que o justifique, mas também por queremos garantir algum equilíbrio na vida e saúde dos nossos colaboradores e, assim, conseguirmos evitar que estes trabalhem muito além do seu horário de forma recorrente.

Há ainda outras alterações de fácil implementação que podem ter um impacto imediato no aumento do sentimento de respeito e justiça, como numa empresa que acompanhei recentemente, que passou a integrar o local de residência dos seus colaboradores do chão de fábrica na organização do trabalho e dos turnos para melhor adequá-los à realidade daquelas equipas.

Temos ainda de ter consciência que a geração que está a chegar às fábricas e funções operacionais é diferente. Muitas vezes mais qualificada, tem também uma relação com o trabalho distinta da que existia até agora: menos submissa e com ambição de atingir padrões de vida superiores aos dos seus pais.

Ao acompanhar a evolução de unidades fabris de um grupo nacional nos últimos anos, fui-me apercebendo destas mudanças. Pessoas mais qualificadas, equipas a conduzir projetos de melhoria, independentemente das suas qualificações, uma atitude crescente de querer contribuir, querer fazer acontecer. Mas também a procura de um maior equilíbrio entre o tempo passado na fábrica e aquele dedicado à família e ao bem-estar pessoal. E é para atingir este equilíbrio que é essencial garantir o respeito e a justiça entre todos os colaboradores.

2. O empowerment dos líderes e das equipas

Outra tendência cada vez mais visível nas empresas é a implementação de soluções customizadas a universos internos específicos, em vez da aplicação de políticas globais, indiscriminadamente transversais a toda a organização.

Todos nós estávamos já familiarizados com esta realidade quando falávamos, por exemplo, de funções comerciais. Para este coletivo, existiam enquadramentos específicos: horários ajustados aos dos clientes e não ao da empresa, local de trabalho flexível, com idas à empresa apenas alguns dias ou horas por semana, incentivos especiais, entre outros.

É este raciocínio que se começa a aplicar de forma mais ampla nas empresas. Por exemplo, cada equipa, ou líder, pode definir, com base na natureza do trabalho, as atividades que são melhor executadas em grupo ou individualmente, no escritório ou em casa, durante o dia ou à noite (mais habitual em funções de design e programação).

As equipas podem também definir como estruturar o trabalho e o horário de cada membro por forma a libertar um elemento numa ocasião que se justifique (como ter uma hora de almoço maior para visitar um familiar internado), ou numa situação recorrente, sem nunca reduzir a produtividade e desempenho do coletivo.

A implementação com sucesso destas soluções customizadas precisa que tenhamos assegurados três pressupostos:

  • Modelos de negócio estruturados por objetivos: todos sabem o que se espera de si e quando;
  • Modelos de liderança menos focados no controlo e mais no empowerment e responsabilização pessoal de todos os níveis da estrutura;
  • Líderes formados para usar todos os instrumentos de gestão de Pessoas à sua disposição, sem dogmas, e focados em criar as condições para que cada um dê o seu melhor, num ambiente de respeito e confiança.

 

Em suma, em meu entender, não é sustentável querer continuar a liderar pessoas e equipas aplicando o “ou é para todos ou não é para ninguém”. Hoje, o apelo à nossa criatividade no encontro de soluções é diário. E isso só acontece quando damos aos líderes a autonomia e o empoderamento para gerirem as suas equipas, desde o chão de fábrica aos níveis mais elevados, de forma flexível, com respeito por todos os elementos.

 

Isabel Viegas, Professora na CATÓLICA-LISBON