Cabe ao Estado garantir que este ano pandémico não causa estragos permanentes na economia. O custo dessa garantia será um aumento da dívida pública durante esse período (mas sem criar custos estruturais para o futuro, minorada pelo apoio europeu e compensada mais tarde pelo maior crescimento económico).

A primeira quinzena de novembro trouxe-nos boas e más notícias, mas todas elas implicaram uma forte redução da incerteza global em que temos vivido e, finalmente, podemos antecipar como será o próximo ano e planear políticas sanitárias e económicas eficazes.

Do lado negativo, em termos pandémicos, a incerteza sobre quando e com que severidade chegaria a 2.ª vaga à Europa ficou resolvida no início de novembro – a 2.ª vaga chegou mais rápido que o previsto e com uma severidade que ultrapassa as previsões mais pessimistas. Se a situação na Europa é muito má, a situação nos Estados Unidos vai ser catastrófica nas próximas semanas com uma 3.ª vaga avassaladora. Neste contexto pandémico agravado, a tão desejada recuperação económica em V que se começou a esboçar timidamente no 3.º trimestre já não irá acontecer. Teremos, na melhor das hipóteses, quebras de 8% a 10% da atividade económica em 2020 e uma recuperação em W que se consolidará no final do 1.º semestre de 2021.

Do lado positivo, novembro trouxe várias notícias importantes. A confirmação a 7 de novembro da vitória de Biden nas eleições presidenciais americanas reduziu a incerteza sobre a instabilidade geopolítica de um possível segundo mandato Trump ou de um resultado eleitoral ambíguo, prevendo-se agora um período de maior estabilidade e racionalidade na política interna e externa americana (apesar dos enormes desafios deste país no curto prazo).

As notícias de 9 e 16 de novembro sobre uma possível eficácia na ordem dos 90% da vacina Biontech/Pfizer e de 95% da vacina da Moderna fazem antever que vacinas eficazes estarão disponíveis já no início de 2021 para grupos selecionados da população, antevendo-se a distribuição maciça à população no 2.º trimestre. Como há muitas vacinas de tipos diferentes em desenvolvimento, e sete delas já em estado avançado de validação clínica, mesmo que haja notícias negativas sobre algumas vacinas, haverá outras para as substituir. Assim, o primeiro semestre de 2021 será dedicado à vacinação maciça da população global numa competição nunca antes vista entre vacinas diferentes.

Com todas estas notícias, reduziu-se a incerteza e torna-se mais claro o que acontecerá em Portugal nos próximos meses. O final de 2020 será o período mais difícil, com o agravar da situação pandémica a obrigar o país a medidas severas de confinamento para reduzir a sobrecarga já evidente do sistema de saúde. Infelizmente, os custos económicos da pandemia vão piorar neste período, levando a um elevado número de potenciais falências, aumento da pobreza e um nível mais elevado de protestos sociais devido ao “cansaço da pandemia”.

Mas, depois da tempestade virá progressivamente a bonança. O início de 2021 verá um retomar de confiança económica, alimentada pelos avanços na vacinação. Deverá assistir-se a uma progressiva normalização da situação pandémica até ao verão, à medida que uma percentagem crescente da população é vacinada, reduzindo exponencialmente a progressão dos contágios. A covid-19 continuará ativa com surtos epidémicos esporádicos, mas já sem a força e a disrupção que caracterizou o primeiro ano de pandemia.

Sendo agora mais certo que o 2.º semestre de 2021 será um período de normalização e de recuperação económica, a questão central é como deverão ser orientadas as políticas económicas e de recuperação financeira nos próximos meses? O que deve o Governo fazer neste contexto?

Uma estratégia possível, sabendo que a pandemia tem fim à vista em meados de 2021, seria relaxar no final do ano as medidas sanitárias de forma a preservar a economia e responder ao cansaço social, mantendo o apoio à economia nos níveis atuais para controlar o deficit público, ao mesmo tempo que se planeia um forte programa de investimento em obras públicas com os fundos europeus para dar um choque de procura à economia no segundo semestre de 2021. Esta é uma estratégia possível, mas seria fundamentalmente errada.

Havendo agora clareza que a pandemia terá solução em meados de 2021 com a chegada das vacinas, a estratégia ótima é muito diferente. Nos próximos meses, até à vacinação de pelo menos metade da população, é essencial manter a firmeza das respostas de combate à pandemia para salvar o maior número possível de vidas. Ao mesmo tempo, deverá ser dado um apoio económico crescente e generoso aos agentes económicos (empresas e consumidores), para repor as receitas perdidas por causa das medidas de isolamento e preservar a capacidade produtiva e a estabilidade do sistema financeiro, reduzindo as falências e combatendo a pobreza. As empresas e os empreendedores estão a falhar e os consumidores estão a cair na pobreza não por erros que tenham feito, mas por causa de um evento externo extraordinário que terá a duração de um ano. Cabe ao Estado garantir que este ano pandémico não causa estragos permanentes na economia. O custo dessa garantia será um aumento da dívida pública durante esse período (mas sem criar custos estruturais para o futuro, minorada pelo apoio europeu e compensada mais tarde pelo maior crescimento económico). Preserva-se assim a capacidade produtiva, continuando a incentivar a iniciativa empreendedora e a criação de negócios, pequenos e grandes.

Quanto ao choque na procura através de um programa de grandes obras públicas, essa seria uma abordagem errada. As obras públicas são lentas a arrancar, morosas a executar e, quando são feitas sem racionalidade económica, criam custos de manutenção acima das receitas de exploração no longo prazo, aumentando o défice público estrutural. O modelo económico que vai emergir pós-pandemia põe em causa a urgência e necessidade de algumas das grandes obras previstas. Para quê construir já um novo aeroporto numa localidade contestada, quando se ganhou alguns anos para planear com tempo e racionalidade a melhor localização e modelo para o transporte aeroportuário na região de Lisboa? Porquê investir 4,5 biliões num TGV que reduz a distância entre Lisboa e Porto em 30-75 minutos, quando o teletrabalho está em crescimento acelerado e temos já ligações aéreas (rápidas), rodoviárias (múltiplas) e de ferrovia (eficientes e confortáveis) entre Lisboa e Porto? É de salientar que estudos recentes feitos pelas autoridades espanholas (AIREF) revelam que a maior parte das linhas de alta velocidade desenvolvidas no país têm rentabilidade negativa.

Utilizemos esta oportunidade para investir no futuro e não no passado. Invista-se em educação e digitalização, em eficiência energética e regeneração urbana, na saúde e bem-estar, em agricultura sustentável, em infraestruturas industriais que reduzam a nossa situação periférica, em inovação e desenvolvimento, em requalificação profissional, em soluções de mobilidade integrada nas cidades. Programas que, se bem desenhados, podem ter impactos imediatos na economia durante o período de aplicação do próximo ciclo generoso de fundos europeus e que ajudam a reduzir custos de operação e de contexto, aumentam a nossa produtividade e preparam a nossa economia para o futuro.

Assim, esta é a receita de políticas para os próximos meses: 1) medidas sanitárias muito severas, 2) medidas económicas muito generosas, e 3) um planeamento de investimentos inteligente e orientado para uma economia do conhecimento e bem-estar.

Filipe Santos, Dean da Católica Lisbon School of Business & Economics​